quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Notas Sobre WSSV (White Spot Syndrome Virus)


Estão descritos na literatura, cerca de 20 tipos de vírus para camarão. Dentre eles está o WSSV que é, hoje, a maior ameaça ao cultivo de camarões, pois é letal a todas espécies cultivadas podendo causar 100% de mortalidade em pouco mais de uma semana. Perde em letalidade apenas para o Yellow Head Virus (YHV), de ocorrência geográfica limitada e que tem causado grandes mortalidades apenas na Tailândia. O WSSV pode ser encontrado em vários crustáceos, não somente nos camarões peneídeos. Na verdade quase uma centena de espécies de artrópodes ou são hospedeiros ou portadores do vírus.

Mortalidades por doenças causam prejuízos anuais da ordem de bilhões de dólares à indústria do cultivo de camarão. Vírus são os responsáveis por 60% destas mortalidades. É muito difícil controlar um surto de WSSV. Não existem vacinas ou tratamento que possam combater o vírus.

Mesmo com os mais rigorosos protocolos de biossegurança e com a utilização de pós-larvas provenientes de estoques de reprodutores SPF (Specific Pathogen Free) as medidas de biossegurança são difíceis de implementar completamente e não conseguem impedir que o vírus se manifeste quando as condições lhes são favoráveis. Os cultivos são realizados em viveiros a céu aberto e ocorrem frequentes trocas de água com o ambiente externo. Além disto, a transmissão do vírus pode ocorrer tanto horizontalmente através da água, por organismos portadores e canibalismo em camarões infectados, ou verticalmente, a partir dos reprodutores infectados.

O primeiro relato de uma epidemia data de 1992, em Taiwan. Daí em diante, a doença espalhou-se rapidamente pelo mundo. Supõem-se que o vírus foi transportado da Ásia para a Américas em camarões congelados para fins de comércio. A última ocorrência em uma área ainda livre de vírus foi em 2005, no sul do Brasil.

A doença manifesta-se em condições de estresse ambiental, principalmente por temperatura. A temperatura é, certamente, um importante fator ambiental para os camarões, com influência direta sobre o metabolismo, crescimento, ecdise e consumo de alimento. Na faixa ótima de temperatura para o Penaues vannamei de 27 °C a 30 °C as mortalidades são menores ou até inexistentes. Embora este mecanismo ainda não esteja totalmente esclarecido, é fato que altas temperaturas impedem o início da doença e reduzem significativamente as mortalidades quando comparados com baixas temperaturas, menores que 27 °C. Isto explica a maior ocorrência de epizootias nas épocas de temperaturas mais baixas.

No momento não restam muitas alternativas ao carcinicultor caso a doença manifeste-se durante o cultivo. O manejo adequado: qualidade de água, densidade de estocagem, aeração, qualidade das pls e da ração produz resultados positivos nas doenças causadas por bactérias ou parasitas, o que não é o caso em ataques virais.


Referências
T.W. Flegel. Historic emergence, impact and current status of shrimp pathogens in asia. Journal of invertebrate pathology, 2012.

T.T.T. Hoa, M.P. Zwart, N.T. Phuong, J.M. Vlak, and M. de Jong. Transmission of white spot syndrome virus in improved-extensive and semiintensive shrimp production systems: A molecular epidemiology study Aquaculture, 2011.

DV Lightner. Virus diseases of farmed shrimp in the western hemisphere (the americas): A review. Journal of invertebrate pathology, 106(1):110 130 2011.

J.R. Moser, D.A.G. Álvarez, F.M. Cano, T.E. Garcia, D.E.C. Molina, G.P Clark, M.R.F. Marques, F.J.M. Barajas, and J.H. López. Water temperature infl uences viral load and detection of white spot syndrome virus (wssv) in litopenaeus vannamei and wild crustaceans. Aquaculture, 2011.

S.M. Moss, D.R. Moss, S.M. Arce, D.V. Lightner, and J.M. Lotz. The role of selective breeding and biosecurity in the prevention of disease in penaeid shrimp aquaculture. Journal of Invertebrate Pathology, 2012.

X. You, Y. Su, Y. Mao, M. Liu, J. Wang, M. Zhang, and C. Wu. E ffect of high water temperature on mortality, immune response and viral replication of wssv-infected marsupenaeus japonicus juveniles and adults Aquaculture, 305(1):133 137, 2010.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Penaeus vannamei ou Litopenaeus vannamei?

Esta é uma dúvida muito comum entre aqueles que trabalham com pesca ou aquicultura, seja de forma acadêmica ou comercial. Cientistas são pessoas que gostam de classificar e dar nomes às coisas. Estes nomes obedecem a regras e podem permanecer inalterados por séculos. Porém, à medida em que surgem avanços como a utilização de técnicas moleculares, a classificação pode ser revista. As regras para dar nomes aos animais constam do Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. Estas regras, porém, não obrigam a utilização dos novos nomes que geralmente tornam-se aceitos ou não  por consenso e sempre após muita controvérsia.

Entre 1969 e 1972, o gênero Penaeus foi dividido em seis subgêneros: Farfantepenaeus, Fenneropenaeus, Litopenaeus, Marsupenaeus, Melicertus e Penaeus. Até então, a classificação constante dos textos técnicos era a seguinte: Phylum Arthropoda, Classe Malacostraca, Ordem Decápode e Família Penaeidae. Dentro da Família Penaeidae, com 12 gêneros, constava o gênero Penaeus, com uma quantidade pequena de espécies (apenas 27) mas  de grande importância comercial.

Em 1997, Pérez Farfante e Bryan Kensley, dois renomados cientistas em taxonomia de crustáceos, publicaram uma monografia propondo elevar estes seis subgêneros a gênero. Daí  surgiu a dúvida: Penaeus ou Litopenaeus? Isto tem gerado dúvidas, principalmente, entre os que necessitam referir-se às espécies de forma comercial e menos em publicações acadêmicas e que sentem-se obrigados a utilizar a nova nomenclatura.

Na esfera acadêmica fica a critério de cada publicação qual nomenclatura utilizar. Em 2007, a Revista Aquaculture  propunha em editorial a utilização do gênero Penaeus  seguido do nome do subgênero entre parêntesis, e em sequência o nome da espécie: Penaeus (Litopenaeus) vannamei Alderman et al. (2007). Isto coincide com uma das propostas de Flegel (2007). Para os que preferem utilizar Penaeus vannamei  sua sugestão é incluir na introdução do documento uma ressalva indicando que a referência aos peneídeos está de acordo com Holthuis (1980). Para aquele que forem a favor da revisão, usariam a seguinte forma: Litopenaeus vannamei (também conhecido como Penaeus vannamei)  ou uma ressalva na introdução informando que a referência aos peneídeos está de acordo com Pérez Farfante e Kensley (1997).

Como a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade, ela veio na forma de uma carta ao editor da revista Aquaculture por McLaughlin et al. (2008). Nesta carta são questionados, de maneira enérgica, os argumentos contra a revisão da nomenclatura. Aqueles de opinião contrária à revisão entendem que  esta deve basear-se somente em práticas científicas  e não no consenso. Propõe, no final, que seja adotado o que diz o Artigo 6 do Código  que aceita a interpolação do subgênero. Os nomes seriam expressos da seguinte maneira: Litopenaeus vannamei [ex Penaeus (Litopenaeus) vannamei].

Como era de se esperar Flegel (2008), confirmou seu ponto de vista em não acreditar que haja evidência suficiente para a divisão do gênero Penaeus em seis gêneros. E que dada a falta de acordo sobre este questão, é justo e razoável convocar todas as partes envolvidas a ponderar os vários argumentos e fazer sua própria decisão sobre a revisão.

Isto poderia levar a alguma dúvida na caracterização comercial destas espécies. Todavia, comercialmente falando, o REGULAMENTO TÉCNICO PARA ROTULAGEM DE PRODUTO DE ORIGEM ANIMAL EMBALADO, aprovado pela INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 22, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2005 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, não inclui entre as informações obrigatórias a utilização de nomes científicos nas embalagens.

Parece não haver uma resposta simples para a questão: Penaeus vannamei ou Litopenaeus vannamei? Tudo indica que enquanto não houver consenso, podemos usar as duas formas Penaeus vannamei ou Litopenaeus vannamei, dependendo da preferência de cada um. Lembrando sempre, que a controvérsia só se faz notória por tratar-se de espécies de grande valor comercial.


Referências
DJ Alderman, BA Costa-Pierce, EM Donaldson, G. Hulata, and RP Wilson. Use of the generic name penaeus. Aquaculture, 264(1-4):1 1, 2007.
TW Flegel. The right to refuse revision in the genus penaeus. Aquaculture, 264(1-4):2 8, 2007.
TW Flegel. Con rmation of the right to refuse revision in the genus penaeus. Aquaculture, 280
(1-4):1 4, 2008.
P.A. McLaughlin, R. Lemaitre, F.D. Ferrari, D.L. Felder, and RT Bauer. A reply to tw flegel.
Aquaculture, 275(1-4):370 373, 2008.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Consumo Consciente de Pescado

O consumo frequente de pescado, pelo menos duas vezes por semana, é altamente recomendável devido aos benefícios positivos sobre nossa saúde. O pescado talvez seja um dos poucos itens da culinária moderna que ainda proporcionem aquela relação ancestral entre o homem e seu alimento. Pode chegar diretamente da natureza ao nosso prato sem passar por grandes transformações industriais.
Já somos 7 bilhões de pessoas e como o consumo pescado é muito grande parte da demanda, hoje, deve ser atendida pela aquicultura. Poderemos usufruir, ainda, do pescado produzido por obra e garça da natureza se o ato de consumir for precedido de alguns cuidados:

  • assegure-se que o produto vem de uma pescaria sujeita a um ordenamento pesqueiro, onde devem ser respeitas as áreas e épocas em que a pesca é permitida. Aqui e aqui estão as tabelas de defeso das espécies continentais, marinhas e estuarinas;
  • não compre gato por lebre, aprenda a conhecer o seu pescado favorito. Há muita confusão entre os nomes comerciais. Parte devido a regionalismos, mas muitas vezes devido à mas práticas comerciais;
  • certifique-se que o grau destruição do habitat durante a captura seja o menor possível;
  • evite espécies em cuja pescaria ocorre significante captura de fauna acompanhante, que é normalmente descartada devido ao seu baixo valor comercial.
Ao trocar a carne pelo pecado, estamos comendo melhor e podemos dar uma pequena ajuda ao nosso planeta. A produção de gado gera quase 20% dos gases de efeito estufa, mais do que é produzido pela queima de combustível veicular. Há mais cabeças de gado do que de gente no Brasil.


    quarta-feira, 13 de julho de 2011

    Mar Morto

    Na fronteira entre Israel e a Jordânia, no ponto mais baixo da superfície terrestre, 417 m abaixo do nível do mar, há um grande lago salgado conhecido como Mar Morto. Devido à excessiva evaporação sua salinidade é dez vezes maior que a média dos oceanos. Em consequência, a vida por lá é quase inexistente , não ocorre a presença de zooplâncton, apenas sobrevivem poucas espécies de microalgas, bactérias e fungos. Mesmo assim é um dos destinos turísticos mais importantes da região.
    Existem, porém, grandes áreas costeiras onde periodicamente, por outras razões, ocorrem zonas mortas. Localizam-se principalmente no Atlântico Norte ao longo da costa dos Estados Unidos Unidos e da Europa, acompanhando os grande centros populacionais ou nos estuários de grandes rios que atravessam extensas áreas agrícolas. Estas zonas mortas são causadas quando ocorre um fenômeno chamado eutrofização. A principal causa da eutrofização têm sido apontada como as milhões de toneladas de nitrogênio, na forma de fertilizantes, utilizados na agricultura. Estes acabam escoando para os rios e finalmente para o mar. Em excesso, os nutrientes promovem o rápido desenvolvimento de algas que ao morrerem e entrarem em decomposição favorecem o desenvolvimento de comunidades microbianas gerando uma forte demanda por oxigênio que ao ser consumido formam as zonas mortas. Nestas zonas as concentrações de oxigênio dissolvido tornam-se tão baixas (≤2,0 ml de O2 /litro) sufocando milhares de organismos pouco tolerantes à hipoxia ou que não conseguem escapar do local. A situação agrava-se ainda mais em áreas onde a troca de água com o oceano é limitada ou quando a água se aquece e ocorre a estratificação da coluna d'água. Este não é um fenômeno novo e vem expandindo-se exponencialmente desde 1960 e ocupam uma área superior a 245.000 quilômetros quadrados [4]. Este fato, inevitavelmente crescerá no futuro e já ameaça os ciclos biogeoquímicos de várias áreas costeiras [5].
    O nitrogênio é um nutriente essencial para o desenvolvimento das plantas. Durante muito tempo, a principal fonte de nitrogênio para a agricultura vinha da fixação de N2 feita por bactérias em simbiose com leguminosas cultivas com esta finalidade. Em março último, fez 100 anos da descoberta do processo da transformação do nitrogênio gasoso, que compõe 78% da atmosfera, em amônia, inaugurando, assim, a revolução verde, sem a qual, provavelmente, a população da Terra, hoje, seria bem menor. Este processo é conhecido como o processo de Haber-Bosch e foi desenvolvido pelo químico Fritz Haber na universidade alemã de Karlsruhe. O feito lhe rendeu o premio Nobel de 1918 [8].
    A utilização de fertilizantes é vital para a agricultura. Ainda mais com o surgimento de variedades mais produtivas e o aumento da área cultivada. Importamos 60% do que é consumido, em 2010 a produção doméstica foi inferior a 10 milhões de toneladas. E somente no período de janeiro a maio deste ano foram comercializadas 8,5 milhões de toneladas, um aumento de 23,8% em relação ao mesmo período do ano anterior.
    O uso de fertilizantes também é comum na aquicultura, e tem como objetivo de estimular a produção de alimento natural nos viveiros, ou seja, a produtividade primária e, consequentemente, a secundária. Isto é mais importante nos estágios iniciais do cultivo de camarões, ou em cultivos de organismos que são alimentados exclusivamente à base da produtividade natural. No caso da criação de camarões, à medida que a biomassa aumenta, os indivíduos passam cada vez mais a depender de rações industrializadas. Estas, por si só, passam a ser a maior fonte de nutrientes ao sistema. Não há, portanto, uma relação direta entre o que é produzido e a quantidade de fertilizantes utilizados. Além do mais, a água de nossos estuários, utilizada para o abastecimento dos viveiros já possui nutrientes em excesso, provenientes da poluição agrícola e doméstica. A fertilização teria mais, então, a função de melhorar a qualidade da água.
    O nitrogênio é, principalmente, utilizado pelas microalgas na forma de amônia e nitratos. A fixação direta de N2 só é feita por certos tipos de cianofíceas e sob condições muito limitadas. São variadas as recomendações sobre a quantidade e a frequência da aplicação de fertilizantes em viveiros. Boyd [1] recomenda aplicações a cada 2 ou 4 semanas de 2 a 8 kg/ha de N ou de P como (P2O5) em conjunto ou separadamente. Isto nos daria um valor 50-60% inferior, num cultivo de 14 semanas, ao que seria consumido num palntio de soja.  A proporção correta N:P é um aspecto crítico para a manutenção da qualidade e quantidade de um bloom adequado. 16:1 é a proporção ideal, em átomos, para o crescimento ótimo do fitoplâncton [6].
    Somente uma pequena parte dos nutrientes adicionados ao sistema converte-se em camarão. Parte incorpora-se ao solo e é consumido pelas bactérias. Outra parte é volatilizada ou consumida pelo fitoplâncton e o restante é eliminado nos e fluentes dos viveiros [7],[2] . 
    Embora sejam poucas as zonas mortas mapeadas ao longo da costa brasileira e os viveiros sejam muito eficientes na assimilação de nutrientes, devemos procurar racionalizar o uso de fertilizantes evitando danos à saúde pública e a poluição dos ambientes aquáticos [3].

    Referências

    [1] C.E. Boyd. Empirical modeling of phytoplankton growth and oxygen pro-
    duction in aquaculture ponds. Aquaculture and Water Quality, Advances in
    World Aquaculture, 3:363 395, 1991.
    [2] C.E. Boyd and L. Massaut. Risks associated with the use of chemicals in
    pond aquaculture. Aquacultural Engineering, 20(2):113 132, 1999.
    [3] SK Das and BB Jana. Pond fertilization regimen.
    culture, 13(1):35 66, 2003.
    Journal of Applied Aqua-
    [4] R.J. Diaz and R. Rosenberg. Spreading dead zones and consequences for
    marine ecosystems. science, 321(5891):926, 2008.
    [5] TD Jickells. Nutrient biogeochemistry of the coastal zone.Science,
    281(5374):217, 1998.
    [6] D. Justi, N.N. Rabalais, and R.E. Turner. Stoichiometric nutrient balance
    and origin of coastal eutrophication. Marine Pollution Bulletin, 30(1):41 46,
    1995.
    [7] C. Saldias, S. Sonnenholzner, and L. Massaut. Balance de nitrógeno y fósforo
    en estanques de producción de camarón en ecuador. El Mundo Acuícola,
    8(1):17 19, 2002.
    [8] Mark A. Sutton, Oene Oenema, Adrian Leip, Hans van Grinsven, and Wil-
    fried Winiwarter. Too much of a good thing. Nature, 472(7342):159 161, 14
    April 2011.



    quinta-feira, 26 de maio de 2011

    Alimento e Energia

    Ainda este ano atingiremos a marca sete bilhões de habitantes neste nosso planeta Terra. E em 2050 seremos nove bilhões. O grande desafio será alimentar essa população e fornecer energia limpa para a manutenção dos padrões atuais de vida. Teremos que fazer isto de forma sustentável, ou seja reduzindo o ritmo de extração dos, já escassos, recursos naturais que proporcionam o crescimento econômico. Como existem países que não pensam em reduzir seus padrões de consumo, nem suas taxas de crescimento, certamente teremos uma elevação de preço das commodities, em especial os alimentos. No ano de 2008 passamos por uma séria crise econômica que elevou o preço dos alimentos no mundo todo e reduziu o poder de compra da grande maioria da população dos países em desenvolvimento, diminuindo o seu acesso a compra de alimentos. A FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação já informou que em 2011 os preços dos alimentos já estão mais elevados do que em 2008.
    Em 2009, o crescente número de famintos no mundo já passava de um bilhão de pessoas. 16% da população dos chamados países em desenvolvimento vive com fome. Muito além da meta de 10% que deveria ser alcançada já em 2015. Para chegarmos em 2050, mantendo as coisas como estão seria necessário incorporar à agricultura mais 900 milhões de hectares. É possível que não tenhamos disponibilidade de tanta terra assim. Isto é pouco mais que um Brasil e meio, que possui 550 milhões de hectares com potencial agrícola. Há estimativas que as terras disponíveis para a agricultura no mundo não passem de 100 milhões de hectares. A saída é o aumento da produtividade nas terras existentes, sem descuidar dos impactos ambientais.
     No que se refere à questão energética, os biocombustíveis  vêm surgindo como uma das opções viáveis para atender a demanda crescente por energia. Todavia, sua produção demanda grandes volumes de água doce e ocupa terras que poderiam ser destinadas à produção de alimentos. Nesta equação que transforma carboidratos em hidrocarbonetos o resultado tem sido sempre um aumento de preço dos alimentos.
    Pelo que foi dito acima, o ideal, seria poder conciliar a produção de alimento com a produção de energia na forma de biocombustível. A aquicultura parece ser uma das poucas atividades que tem potencial para fazer isto com certa facilidade.
    Quanto à produção de alimentos a aquicultura vem cumprindo seu papel. Contribui com quase 40% do pescado que é consumido e a tecnologia atual é suficiente para garantir a demanda prevista para os próximos 20 anos, podendo tornar-se na mais sustentável fonte de proteínas para a alimentação humana. A produção de carne resulta na utilização de grandes quantidades de água, terra, energia e emissão de gases de efeito estufa, e ao mesmo tempo os estoques pesqueiros estão em decadência.
    Fechando o ciclo da produção de alimentos e biocombustíveis através da aquicultura encontramos a salicornia, uma planta halófita, isto é, pertence àquele grupo de plantas que são tolerantes à elevadas salinidades tanto do solo quanto da água. Suas sementes contem 30% de óleo que podem ser extraídos de modo similar ao utilizado na prensagem de outras sementes oelaginosas. Aqui no Brasil a planta foi encontrada na região de Santa Catarina, mas há informações que pode ser localizada em toda a costa atlântica das América do Sul, da Venezuela ao Uruguai.
    Um grupo de estudantes da Universidade do Texas A&M está realizando pesquisas no sentido de integrar o cultivo de camarão com a produção de biocombustível utilizando a salicornia. Os efluentes do cultivo, rico em nutrientes, seria utilizado como fertilizante para as plantas. Temos assim uma maneira de minimizar os possíveis impactos causados por estes efluentes nos estuários. Como a salicornia cresce facilmente em ambientes estuarinos e salgados, poderia ser cultivada em áreas com pouca disponibilidade de água doce. Neste caso, pelo menos, fica eliminado o dilema entre a produção de alimentos e biocombustíveis. Lógico que isto é apenas um primeiro passo  de um longo caminho deverá mostrar no final que esta forma de produção pode produzir biocombustível a preços competitivos e com uma menor pegada de carbono.

    sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

    PROBLEMAS COM OS EFLUENTES?

    São várias as formas de aquicultura. Variam de acordo com o tipo de organismo cultivado, a localização (no que se refere ao tipo de água: doce, estuarina ou marinha), a biomassa estocada, número de espécies cultivadas e o tipo e a qualidade da ração utilizada. É impossível fazer aquicultura sem água, e é inviável fazer aquicultura sem renovação de água. Então, não há como nos livrarmos dos efluentes e seus possíveis efeitos adversos tanto na coluna d'água quanto nos sedimentos do corpo receptor. Aliás, esta a crítica mais frequente à aquicultura. O lançamento de efluentes ocorre após a ocorrência de chuvas pesadas, durante a renovação periódica de água ou quando da drenagem dos viveiros para a despesca. Através de processos químicos e biológicos, os viveiros possuem a capacidade de assimilar parte dos nutrientes que entram no sistema sob a forma de ração ou de fertilizantes. Mesmo assim, ainda podem tornar-se potenciais poluidores em locais próximos ao ponto de descarga, apresentando riscos de eutrofização. Nas águas receptoras o oxigênio pode ser consumido rapidamente, levando à mortalidade das populações naturais de peixes e crustáceos. Todavia, Samocha e Lawrence [1997], observaram que a partir de 400 m do ponto de descarga não havia alteração nos níveis de nutrientes ou no total de sólidos em suspensão.
    Os impactos sobre os nutrientes, também, ocorrem de formas variadas: são menores para a criação de camarões do que para a criação de peixes; em água doce são maiores do que em ambientes estuarinos e marinhos, e não são os mesmos para todos os tipos de nutrientes. Ocorrem na seguinte ordem decrescente: amonia, nitritos e nitratos e por último o fósforo. Não há impacto sobre os silicatos. Foi o que concluiu Sarà [2007], em um estudo sobre os efeitos ecológicos da aquicultura.
    Devido à pressão de grupos de defesa do meio ambiente, é natural que os governos partam para o estabelecimento de normas quanto à emissão de efluentes. No nosso caso, temos que estar em conformidade com a Resolução CONAMA No 357/05 e a Portaria SEMACE 154/02, Art. 4o que tentam evitar os impactos negativos da poluição no corpo receptor, mas não regulamentam especificamente a aquicultura. São várias as fontes poluidoras em ambientes estuarinos, provenientes de atividade agrícolas e urbanas, tornando difícil a atribuição de responsabilidades. No nosso caso, isto representa uma preocupação a mais. A qualidade dos afluentes, principalmente naquelas instalações localizadas nas partes mais altas dos rios que cruzam várias cidades onde o saneamento básico é precário, faz com que a água de abastecimento, de início, apresente-se fora dos padrões estabelecidos pela norma.  Apenas quatro Municípios do CE tem plano de saneamento.  De modo geral, os níveis de nutrientes nos efluentes de camarão são menores do que nos efluentes domésticos. Os viveiros possuem concentrações mais elevadas de sólidos em suspensão e fitoplâncton. Entre os nutrientes predomina a amonia enquanto que nos efluentes domésticos há maior ocorrência de nitratos e fosfatos (Macintosh e Phillips) [1992]. Nos efluentes domésticos a proporção de matéria orgânica é maior do que no efluente dos viveiros, Jones et al. [2001].
    Boyd [2003]apresenta uma lista de procedimentos que podem minimizar a descarga de nutrientes. Entre elas:

    • Usar fertilizantes somente o necessário para manter o bloom de fitoplâncton;
    • Povoar e alimentar a taxas que não excedam a capacidade de assimilação dos viveiros;
    • As rações devem ser de boa qualidade, estáveis e não conter excesso de fósforo e nitrogênio;
    • Alimentar de maneira conservadora, evitando excessos e garantindo o máximo consumo de alimento;
    • Reduzir ao máximo possível as taxas de renovação de água;
    • Evitar drenagem de fundo, que drena água de baixa qualidade dos viveiros;
    • Utilizar bacias de sedimentação;
    • Reutilizar a água sempre que possível.

    É importante ter em mente que alterações no meio ambiente podem comprometer o futuro dos nossos negócios. Afinal a água é o nosso principal insumo. A questão ambiental é um desafio para a carcinicultura, nossos consumidores, principalmente, os corporativos começam a ter um maior engajamento em questões ambientais.
    A população mundial cresce e com ela o consumo de alimentos, com o agravante de que o incremento da demanda é superior ao da oferta. A conta também é válida para o consumo de pescado, e a natureza já não consegue repor os estoques pesqueiros. A produção pesqueira durante a última década vem variando entre 88 e 97 milhões de toneladas, e a produção da aquicultura, sempre crescente, chegou perto dos 70 milhões de toneladas em 2006. Portanto, a aquicultura é uma atividade importante para o aumento da oferta de alimentos.

    Referências


    C.E. Boyd. Guidelines for aquaculture e uent management at the farm-level. Aquaculture, 226(1-4):101 112, 2003. ISSN 0044-8486.
    AB Jones, MJ O'Donohue, J. Udy, and WC Dennison. Assessing ecological impacts of shrimp and sewage e uent: biological indicators with standard water quality analyses. Estuarine, Coastal and Shelf Science, 52(1):91 109, 2001.
    I.C. Liao. The Role of Aquaculture in Upcoming Food Crisis. The Japanese Society of Fish Pathology,
    44(1):1 8, 2009. ISSN 0388-788X.
    DJ Macintosh and MJ Phillips. Environmental issues in shrimp farming. INFOFISH, KUALA LUMPUR(MALAYSIA)., pages 118 145, 1992.
    T.M. Samocha and A.L. Lawrence. Shrimp farms' e uent waters, environmental impact and potential treatment methods. Interactions between cultured species and naturally occurring species in the environment, pages 35 38, 1997.
    G. Sarà. A meta-analysis on the ecological e ects of aquaculture on the water column: Dissolved nutrients. Marine environmental research, 63(4):390 408, 2007.

    quinta-feira, 7 de outubro de 2010

    Quando o Governo Não Atrapalha, Já Ajuda Bastante. Quando Resolve Ajudar...

    O Ministério da Pesca da Tailândia está finalizando seu segundo plano estratégico para os próximos três anos com os seguintes objetivos:

    1. elevar os padrões de cultivo;
    2. desenvolver novas áreas com potencial para o cultivo;
    3. melhorar o manejo pós despesca a fim de agregar mais valor;
    4. melhorar o potencial de mercado em todos os níveis e
    5. incentivar pesquisas que resultem em aumento de produção.
    Além do mais está provisionando recursos da ordem de US$ 27 milhões para 20 projetos de melhoria da indústria do cultivo de camarão. O valor é pequeno, é verdade, não chega a 0,5 do valor das exportações de camarão.
    Vale lembrar que a Tailândia possui um litoral de 3.219 km. Bem menor do que os nossos quase 8 mil quilômetros.
     Fonte: http://www.bangkokpost.com/business/economics/194183/strategic-shrimp-project-to-modernise-industry